«O BOM LIVRO É AQUELE QUE SE ABRE COM INTERESSE E SE FECHA COM PROVEITO»

AMOS ALCOTT

Vida Interrompida

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

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Sinopse: «Susanna Kaysen, 18 anos, após uma sessão com um psiquiatra a quem nunca vira antes, foi metida num táxi e enviada para o hospital de McLean. Passou quase dois anos no pavilhão para jovens adolescentes desse hospital psiquiátrico, tão famoso pela sua clientela de celebridades - Sylvia Plath, Robert Lowell, James Taylor e Ray Charles - como pelos métodos progressistas de tratamento a quem se podia dar ao luxo de pagar aquele santuário.
O relato de Kaysen junta o horror e a percepção crítica aos brilhantes retratos que traça das suas companheiras e guardas. É uma evocação dramática de um "universo paralelo", numa paisagem caleidoscópica e mutável. Vida Interrompida é um documento clarividente, inflexível, que confere uma nova dimensão às nossas definições de sanidade e insanidade, de doença mental e recuperação.
Kaysen não se propõe fazer moral nem impor pontos de vista; deixa esse julgamento ao rigor das palavras, ao poder da escrita e ao silêncio entre os capítulos.»

Esta é a história de Susanna Kaysen, um registo autobiográfico, contado na primeira pessoa. A vida de Susanna, durante os dois anos que esteve internada, é-nos contada em analepses, não seguindo por isso uma linha temporal rigorosa e dando liberdade à autora para saltitar no passado – o que poderá por vezes causar alguma confusão e desorientação. A acção decorre nos Estados Unidos dos anos 60, no hospital psiquiátrico McLean.

Susanna Kaysen aos 18 anos, após uma tentativa de suicídio, foi diagnosticada com uma doença de carácter ou doença de personalidade e por isso internada numa unidade psiquiátrica.
Os capítulos são bastante curtos, o que acelera, só por si, o ritmo de leitura, e neles são retratados momentos e situações que Susanna viveu enquanto esteve internada e onde a narradora nos mostra a grande guerra que trava – consigo mesma!

Neste livro é-nos mostrada então a realidade de um hospital psiquiátrico (privado – e faço referencia a isto porque acredito que seja relevante, pelo menos a nível das condições) onde Susanna se encontra internada com outras mulheres que acabam por se tornar suas amigas – Polly (esquizofrénica), Cynthia (depressiva), Georgina (esquizofrénica) e Lisa (sociopata).
A autora mostra-nos então neste registo esta realidade, que chega a designar como universo paralelo:
“É fácil entrar num universo paralelo. Há tantos: o mundo dos loucos, dos criminosos, dos deficientes, dos moribundos, talvez dos mortos também. São mundos que coabitam com o mundo e que se lhe assemelham, mas que não estão nele.”

Achei muito interessante ver relatado nua e cruamente a realidade de um hospital psiquiátrico, sem grandes floreados e com uma ponta de humor negro – que apreciei bastante.
Confesso que se não soubesse que isto se passava nos anos 60 poderia muito enquadrar o decorrer da história nos tempos de hoje.

Ler este livro e colocar-me no lugar da protagonista fez-me colocar várias questões que também ela colocou a si própria e foi claramente visível a existência de uma linha muito ténue que separa a insanidade e a sanidade e que é bastante difícil de traçar ou definir! Gostei muito do debate interno e das reflexões pois também a mim me fizeram pensar. E mesmo na questão do suicídio chega a ser elucidativo em alguns aspectos. Para além de que foi assustador conseguir compreender aquela mente, levando-me por momentos a perguntar “Estarei também eu louca?”.

Apesar de não ser bem o que esperava inicialmente e de certa forma não ter sido muito chocada com as situações – sendo neste aspecto mais leve do que o que pensava – aquilo que me foi apresentado a nível psicológico compensou bem esse facto.

Resumindo: Gostei muito!
(Também já vi o filme e confesso que apesar de todo o elenco, do qual gostei bastante, a adaptação ficou aquém do que esperava e está, sem duvida, muito díspar da obra. E, por isso, não me impressionou nem agradou por aí além).

E deixo aqui algumas passagens que apontei:
“A minha fome, a minha sede, a minha solidão, o meu tédio, os meus medos (…) faziam-me sofrer, mas retirava imenso prazer do meu sofrimento. Eram a prova da minha existência.” (pág. 42)

“Colheres de lata, amolgadas, a transbordar de algo que devia ser doce mas era amargo, e que partia, que passava, sem o saborearmos: as nossas vidas.” (pág. 55)

“Esses pensamentos tiveram outrora um significado. Devem ter significado o que as palavras diziam. Mas a repetição embotou-os. Tornou-os música de fundo gravada de temas autodestrutivos.” “Endógena ou exógena, inata ou suscitada – eis o grande mistério da doença mental.” (pág. 77)

“De certo modo, éramos livres. Tínhamos chegado ao fim da linha. Não tínhamos mais nada a perder. A nossa privacidade, a nossa liberdade, a nossa dignidade – tudo isso desaparecera. Estávamos reduzidas ao âmago de nós próprias.” (pág. 91)

“Se as nossas famílias deixassem de pagar, nós deixaríamos de poder estar e éramos lançadas, nuas, ao mundo onde deixáramos de saber viver. Passar um cheque, fazer um telefonema, abrir uma janela, fechar uma porta – eram apenas algumas das coisas que todas nós esquecêramos como se faziam.” (pág. 92)

“Se eu, que dantes me revoltava, estou agora tão longe do meu eu louco, vocês que nunca se revoltaram, quão distantes estarão, e quão mais profunda não será a vossa revolta?” (pág.117)


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Anónimo disse...

muito boa crítica !

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